Ensaio de autoria do Fidelíssimo Confidente Imperial,
Dom Bruno Cava, Duque de Conservatória,
originalmente publicado no primeiro número
da Revista de Estudos em Micropatriologia,
a 4 de fevereiro de 2006, gentilmente cedido
ao sítio imperial pelos editores.

I

Micropatriologia etimologicamente forma-se pela justaposição de micro, palavra grega para "pequeno", patria ("país", do latim) e logia ("conhecimento", grego). Antes de ser utilizada em língua portuguesa, é certo que havia aparecido no francês (micropatrologie) e no inglês (micropatrology). Por que não "micropatrologia"? -sem o i, como seria mais natural, foi questão quejá intrigavaAguiar, porém de toda sorte a palavra consagrada foi mesmo micropatriologia.

Quando houve a estréia da micropatriologiaé assunto dos mais controversos, comoé-o qualquer um que adentre o período pré-Internet do micronacionalismo. Há quem sustente que existedesde o século XIX, enquanto estudo específicode pequenos enclaves, ilhaslongínquase principados diminutos da Europa. De acordo com o Institut Français de Micropatrologie, em 1973 já existia uma Sociedade Internacional de Micropatriologia, dirigida por um tal Frederick W. Lehmann, do qual o referido Instituto se proclama herdeiro.

Este Instituto prestigiadoencontra no micropatriólogofrancófonoFabrice O´Driscoll [1]- autor de uma das mais célebres obras atinentes (Ils ne siègent pas à l´ONU, ed. des Presses du Midi, Toulou: 2000) -o marco teórico elementar. Para o pensador, a micropatriologia constitui disciplina científica quetoma por objetos os micro-estados, as micronações e os movimentos separatistas em geral.

A distinção entre micro-État e micro-nation assume papel central para O´Driscoll: Enquanto o primeiro se caracteriza pelo reconhecimento internacional - cuja culminância é a admissão na ONU -, a segunda é uma "très petite nation (...) une collectivitè humaine organisée, soumise le plus souvent à un gouvernement et à des lois communes mais hors d´un espace donné". E há também, para o cientista, aquelas que se furtam a qualquer reivindicação territorial.

O pré-requisito para a constituição do micro-estado, portanto, reside na acolhida peremptóriapela comunidade internacional estabelecida, e não por acaso, comoinforma O´Driscoll, as Nações Unidas "considéré comme micro-État (...) tout État dont la population est inférieure à un million et demi d'habitants. "

II

Outra referência canônica da micropatriologia [2], o Príncipe da Corvínia Peter Ravn Rasmussen, igualmente aponta no estudo de microestados e micronações o objetivo desse campo do saber. Para delineá-lo com mais clareza, do mesmo modoprocura conferir consistência aos conceitos de microstate e micronation.

Para micronação, Rasmussen sublinha a etimologia, do latim natus (nascimento), para defini-la ab ovo como "common blood relationship", ou seja, um conceito derivado dos laços sangüíneos de tribos e clãs primitivos. Com o desenvolvimento histórico e a conseqüente maior complexidade do meio social, o citado vínculo familiar dá lugar a um mais antropológico e cultural: o laço de nacionalidade, que o autor circunscreve com as noções de "shared cultural heritage", "linguistic coherence" e "sense of identification by members with the nation". Entretanto, não vê na territorialidade exigência da existência de uma nação (logo, nem para a micronação), oque conduz ao argumento nuclearde Rasmussen: uma micronação pode existir essencialmente como uma nação de facto -só que obviamenteem miniatura -porque o conceito de nacionalidade prescinde da dominação física sobre territórios naturais.

Microestado, em oposição, será descrito por Rasmussen não como vínculo histórico-cultural, advindo de uma percepção coletiva, mormente como relação de poder e dominação. Daí que descreve o estado pelos atributos do "monopoly on exercise of force", "legitimacy, as perceived by the governed", "institutional structures established to handle governmental tasks, including, but not limited to, the exercise of force" e, sobretudo e indispensavelmente, "control over a territory".

Desta distinção central na micropatriologia rasmusseana, decorrem duas categorias fundamentais de classificação das micronações. Nationhood são as que tem como tarefa constituir uma comunidade culturalmente caracterizada, em vínculo antropológico; e Statehood as que almejam seriamente obtercontrole sobre um território para fundar um microestado. Corvínia enquadra-se na primeira classe, enquanto Sealand ou Hutt River ficariam melhor alojadas na segunda.

Às duas mencionadas, o portal do micro-nations. org (moderado pelo corvínio Lars Erik) acrescenta political exercise (simulações exclusivamente políticas), community (de gostos parecidos, puramente social, mais ou menos como no orkut) e just-for-fun (categoria pouco nobre para experimentos adolescentes e meras brincadeiras), fazendo o seguinte degradê de nível de seriedade, da mais à menos: statehood, nationhood, political exercise, community e just-for-fun.

Ademais, Rasmussen assinala no estado-nação o "most problematical of concepts", visto quenação e estado teriam gêneses eminentemente independentes, fundidas num super-conceito graças aos discursos romântico-nacionalistas do séc. XIX. O corvínio lista extensa bibliografia que o levou a atingiras conclusões meramente esboçadas acima.

III

Atualmente, a ciência das micronações disseminou-se por praticamente todos os grupos lingüísticos e setores anglófonos do globo. No Apollo Sector, por exemplo, Steve Foong coordenou oprodutivo e abalizado Micropatriological Research Centre, que elaborou trabalhos em formato . pdf que não deixam nada a desejar em relação a dissertações universitárias. No vetusto portal www.micronations.net, seção de artigos, também há bastante material de interesse micropatriológico, bem como na wikipedia e no antigo fórum da micro-nations. org -somente para citar fontes em inglês (sabe-se que há frutos suculentos em alemão e polonês, ainda inexplorados por nós).

Dentre o micronacionalismo lusófono, os pioneiros da disciplina foram Cláudio de Castro, Pedro Aguiar e Luiz J. Gintner. No tocante aos dois primeiros, estamos familiarizados: Imperador de Reunião (97-)e fundador de Porto Claro (96-2002), respectivamente. O terceiro da lista é um catarinense de Três Lílias - cidadezinhafortemente matizada pela cultura tedesca - que pesquisou enciclopedicamente o micronacionalismo, ainda que (infelizmente)jamais tenha tomado parte ativa das micronações daLusofonia.

O extensivotrabalho de micropatriologia de Gintner resultou no livro "Em Busca de Lilipt" (ed. Litteris, SP: 1997), que já está na segunda edição e que lhe rendeu dois prêmios: o de Destaque da Bienal do Rio de Janeiro (1999) e o de Personalidade Cultural da União Brasileira dos Escritores da ABL. Nas 304 páginas da obra, o pensador reúne informações sobre mais de 400 microestados e micronações, além de países imaginários e virtuais, de Hong Kong a Sealand, de Liliput ao Contestado.

Para Gintner, o fenômeno micronacional deve ser teorizado mediante oito gêneros magnos de micronação: "1 - independentes e reconhecidos, 2 - semi-independentes, 3 - efêmeros, 4 - unidades políticas dependentes, 5 - especulativos, lendários ou mitológicos, 6 - enclaves ou exclaves, 7 - projetos políticos e 8 - territórios indígenas".

A produção micropatriológica de Castro e de Aguiar é mais difusa e multifacetada; nenhum dos dois ainda se deu o trabalho de concentrar a experiência adquirida na área em uma obra. Como amostras clássicas do arsenal teórico de cada um, vale destacar a Mensagem do Imperador e a primeira palestra de Aguiar junto à Universidade de Reunião.

Presentemente, há algumas iniciativas claramente na linha micropatriológica e que engrandecemo pensamento micronacional. A Micropédia laboriosamente organizada por pasárgados compilaconceitos, teorias e dados micronacionais de proveito a qualquer estudioso do campo. Dignos de nota, igualmente, são a Revista Avant-Garde, o Portal da ARN e, é claro, a presente Revista, que tudo indica inaugura grandiloqüentemente um perído áureo da micropatriologia lusófona, quiçá mundial.


FONTES:

[1] - O´DRISCOLL, Fabrice, Micropatrologie, Micro-États et Micro-Nations, artigo online.
[2] - RASMUSSEN, Peter Ravn, "Nations" or "states" - an attempt at definition, artigo online.

 

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